domingo, fevereiro 05, 2006

O Modelo na Relação do Ensino Com a Aprendizagem


As crescentes mudanças sociais, provocadas pelo desenvolvimento tecnológico, tornaram eminente a nossa entrada na Era da Informação e do Conhecimento. Sem precedente com períodos anteriores, este século encontra-se profundamente marcado pelo acelerado progresso tecnológico, que transformou de forma muito drástica os meios de comunicação. Dos meios de comunicação receptivos como livro, o rádio e a televisão, passou-se progressivamente para os meios interactivos oriundos das tecnologias da informação e comunicação, particularmente a Internet. Estas mudanças provocaram uma ruptura com os modelos de ensino/aprendizagem tradicionais, suscitando inquietude e reflexão, essencialmente na necessidade de novas metodologias adequadas aos desafios do momento histórico actual e emergente, na medida em que o avanço técnico provoca alterações profundas e estruturais.
Perante a existência de alunos com diferentes padrões culturais e com maior acesso aos suportes da multimédia, os educadores, deparam-se com novos desafios no processo de ensino/­aprendizagem. As metodologias convencionais, sobretudo as de transmissão conceptual e oral do conhecimento, ficam totalmente ultrapassadas, quando confrontados com as novas tecnologias da informação e da comunicação.
Os alunos são mais exigentes, fazendo com que o papel do professor e da escola sejam colocados posto em causa e tenham que ser repensados, face à luz do novo paradigma.
Debatem-se, analisam-se e confrontam-se teorias e metodologias de ensino e aprendizagem tradicionais, segundo determinadas perspectivas, não só como uma busca de novas teorias de acordo com o paradigma emergente, mas também como análise, visando aproveitá-las e adaptá-las ao novo paradigma.
São essas perspectivas que permitam a identificação e compreensão das linhas orientadoras que se tornam os alicerces do modelo de ensino/aprendizagem, assumindo-se como pressupostos, que abrangem quatro áreas de natureza distintas: filosófica, psicológica, sociológica e pedagógica.
Os pressupostos de natureza filosófica têm a ver com o “conceito de homem”. Assentam na racionalidade antropológica de “o que é ser Homem”, “o que é que nos faz ser homens”. Desenvolvem-se em 4 linhas de orientação:
· A matriz racionalista
· A reflexão existencialista e a matriz humanista
· Entre o estruturalismo e o pós-estruturalismo
· O pragmatismo na educação
A matriz racionalista de tradição iluminista, assenta no princípio da racionalidade universal e no princípio do direito à educação. Perspectivando este como um dever dos adultos, e do estado, de fazer dos jovens novos homens, de os trazer à cidadania, tornando-os cidadãos autónomos, isto é , capazes de tomar decisões e decidir autonomamente.
A reflexão existencialista e a matriz humanista tem por base princípio da educação como bildung (formação individualizada). Valoriza o conceito de autenticidade de autonomia bem e o livre arbítrio.
O estruturalismo está subjacente aos princípios organizativos da linguística estrutural de Saussure. Tem implícita uma matriz científica da linguagem, consubstanciada num sistema fechado de elementos e regras que explicam a produção e a comunicação social de significados, de sentido. Os pós estruturalistas não partilham na totalidade estas ideias. Valorizam a história, colocando a ênfase no perspectivismo no que concerne à interpretação dos fenómenos. Alimentam a reflexão critica sobre a tecnologia e valorizam a diferença como categoria filosófica
O pragmatismo na educação acolhe a falibilidade e pressupõe o carácter eminentemente social do eu. As “mentes” e os “eus” emergem socialmente por via do diálogo crítico e criativo no seio de uma comunidade. A aprendizagem deve possuir uma base biológica muito sólida, não constituindo a mente algo de separável da totalidade do corpo, dos seus sentimentos, dos seus desejos e dos seus interesses. A aprendizagem, a crença e o conhecimento constituem assim uma parte integrante da acção e do sentimento. O pluralismo. Para Peirce o conhecimento é uma construção social.
Os pressupostos psicológicos têm tido uma grande importância na definição e na sustentabilidade teórica da educação. Nascem da análise dos factores estruturais dos intervenientes no processo de aprendizagem ( ensinante e aprendente), procurando descodificar os processos de aprendizagem, de comunicação, de motivação e de interacção, inerentes ao ser humano. Aos pressupostos psicológicos estão subjacentes vários princípios base: a aprendizagem com os significados e perspectivas que cada um tem. Os conceitos onde estão inseridos os tipos de inteligência e a personalidade e motivação individuais.
À aprendizagem estão implícitas as teorias de aprendizagem por associação estímulo/ resposta, as teorias comportamentalistas de Thorndike e de Skinner. As teorias cognitivas que preconizam a reorganização das percepções. É o caso da psicologia clássica de Gestalt e teoria de Campo de Lewin. Do cognitivismo de Vygotsky, Piaget, Bruner.

Ao nível do conceito foram considerados vários tipos de inteligência. Gardner, autor da teoria, das inteligências múltiplas é o mais citado.
Ao nível da personalidade e motivação, considera-se que as diferenças na personalidade estão associadas a diferentes percursos no desenvolvimento intelectual e que o esenvolvimento da personalidade está dependente da capacidade em resolver as tensões criadas pela repressão dos adultos perante as energias do instinto. A motivação é um factor importantíssimo na aprendizagem. Contém aspectos ligados â escolha de objectos, à interpretação dos resultados e às metas a atingir.
Os pressupostos sociológicos configuram tipos e significados de representações que a sociedade vai construindo e (des)construindo a partir, do campo da filosofia, da psicologia, da sociedade, tecnologia, economia, etc. Novos problemas sociais encadeiam-se nos velhos, atingindo o âmago da relação entre o ensino e a aprendizagem. As linhas de orientação que marcam este pressuposto são a cultura e intercultura, na medida em que a escola é cada vez mais um espaço intercultural, onde se cruzam e coexistem diferentes percepções e diferentes jogos de linguagem. A dimensão social no sucesso escolar, uma vez que o sucesso escolar está correlacionado com a desigualdade social e com as assimetrias do capital cultural e tecnológico. A Escola como Instituição e a profissão Professor é uma das linhas de orientação importante deste pressuposto, na medida em que a escola é um espaço de conflitos, descrença e contestação. São defendidos modelos de educação opostos em que se dá prioridade a modelos de educação antagónicos e a valores contraditórios. Daí haver várias ideias de vários tipos de escola: a escola liberal de matriz racionalista;a escola para a democracia de reflexão existencialista e matriz humanista; a escola para a cidadania entre o estruturalismo e o pós estruturalismo e a escola vocacional cuja raiz está no pragmatismo na educação.
O estatuto do professor tem-se vindo a ressentir do ponto de vista socioeconómico e de exigências sobre o seu trabalho. São-lhe feitas exigências cada vez maiores do ponto de vista institucional, organizativo e didáctico.
Os pressupostos pedagógicos, analisando os mecanismos de construção de saberes, produção de conteúdos, de transmissão, apreensão e estruturação de espaços e tempos de ensino/aprendizagem, procuram estabelecer as linhas de força que determinam a acção educativa. Têm implícitas variáveis antecedentes que contêm toda a carga psico-social que os actores educativos trazem para o acto de ensino/ aprendizagem. As variáveis de contexto, reportam-se ao ambiente onde o processo de ensino/ aprendizagem se concretiza. As variáveis de processo encerram toda a relação professor/ aluno e as variáveis de conteúdo, têm subjacentes os conteúdos de aprendizagem.
Os aspectos abordados podem contribuir para uma prática de ensino mais fundamentada, na medida em que permitiram tomar contacto, mais uma vez com teorias e abordagens de ensino, que é sempre bom aprofundar e investigar. É certo que não há receitas e o que é bom para um aluno, pode ser péssimo para outro. No entanto isso não é desculpa para a inércia profissional.
Através da análise dos pressupostos citados no texto em estudo[1], podemos constatar que todos eles contribuem para melhor compreender o processo de ensino/aprendizagem. Contudo o conhecimento dos modelos pedagógicos não é tudo para a prática pedagógica. Até chegar aí, o professor ainda tem um longo caminho a percorrer e várias escolhas a fazer. A escolha do modelo tem a ver com vários factores, nomeadamente, a abordagem global que vai mais ao encontro das suas ideias individuais, as suas competências, contexto, conteúdos, etc.. No entanto, estou convicta de que não há bons nem maus modelos, de que não há “receitas”, mas sim que há uns que são mais adequados do que outros, atendendo a circunstâncias específicas. Para terminar esta análise e clarificar o meu ponto de vista deixo uma citação de Arends:
“A arte de ensinar é uma arte instrumental ou prática e não uma das belas-artes que tem como objectivo ultimo a criação da beleza. Enquanto arte instrumental, o ensino é algo que se afasta de receitas, fórmulas ou algoritmos. Requer improvisação, espontaneidade, o lidar com múltiplas possibilidades relativas à forma, ao estilo, à cadência, ao ritmo e à adequabilidade de modos tão complexos.” (Arends, 1995:1).
[1] Gaspar, M.I, Pereira A., Teixeira A. E Oliveira I, “O Modelo na Relação do Ensino com a Aprendizagem”, Universidade Aberta

1 comentário:

Kaká disse...

Adorei seu texto!

Parabéns!